Comer ouro é perversão – Jornal de Brasília

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Muitos comentaristas de futebol chamaram o ato de patacoada, palhaçada… Não, não. É um ato bizarro. Mesmo porque ouro não é alimento

Acho que nenhuma sentença pode demonstrar melhor um acontecimento inusitado do que a resposta de Hamlet para o assustado Horácio: “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a tua vã filosofia”. Me refiro ao vídeo em que os jogadores da Seleção Brasileira e o ex-atleta Ronaldo, juntamente com outros craques estrangeiros, comem bifes de carne banhados a ouro 24 quilates, ao custo de R$ 9 mil a peça, em um restaurante no Catar, sede da Copa do Mundo 2022. Muitos comentaristas de futebol chamaram o ato de patacoada, palhaçada… Não, não. É um escárnio, um ato bizarro, boçal, inaceitável, mesmo porque ouro não é alimento. É uma perversão, convenhamos. E é ainda pior quando praticado por aqueles que já passaram fome, que pertenceram as camadas mais pobres da sociedade, que enfrentaram a fome na infância e na juventude. Imoral é a palavra. Trata-se de um esnobismo que denota desprezo pela humanidade, pelos que sofrem, pelos que passam fome. É desumano! Se eles tivessem pago — e sei que pagam até R$ 10 mil por um prato de comida refinada qualquer, ou mesmo R$ 100 mil por uma garrafa de vinho Petrus — não estaríamos estarrecidos. Mas ouro, não! Ouro não é alimento, não é comida! È para ser usado em seus relógios, pulseiras, anéis e colares. Eder Militão, por exemplo, ostenta um Rolex de R$ 3 milhões. Mas comer ouro é esnobismo grosseiro, extravagância, estupidez, zombaria com os mais pobres.

Sabemos dos salários estratosféricos dos astros do futebol. Cristiano Ronaldo acaba de ser contratado pelo Al-Nasser, da Arábia Saudita, por um salário de 100 milhões de euros anuais. A Copa do Mundo custou ao Catar 222 bilhões de euros, ou seja, 1,2 trilhão de reais. Lembro que o PIB do Distrito Federal, que tem mais de 3 milhões de habitantes, é de 268 bilhões de reais. Assim, a Copa custou 4 vezes o nosso PIB. São números quase inacreditáveis. Mas é isso mesmo, acreditem.

Não quero usar aqui de vitimização, proselitismo, de falar de coisas negativas, de tentar “melar” a Copa e a Seleção Brasileira, que têm uma importância enorme para a identificação de nosso povo, já que o futebol encarna a alma do Brasil. Se esse fato lamentável e repugnante tivesse sido praticado apenas pelos jogadores jovens da Seleção, num momento de descontração, tudo bem. Mas não, foi feito por Ronaldo Nazário, um gênio do futebol, empresário, de 46 anos de idade. Ou seja, um velho! Ronaldo vem de uma família pobre, que vivia enormes dificuldades. Todos nós podemos cometer atos impensados, mas estupidez tem limites. Sei, e digo aqui em quase todos os meus textos, que estamos cercados pela loucura. Mas não me recordo de ter visto tantos atos tresloucados como estou vendo agora. Se isso tem a ver com a pandemia, com as redes sociais, com o mundo digital, não sei, mas comer ouro, sejamos francos, é demais para nossos estômagos. Entala qualquer um. E estamos entalados com esses galáticos comedores de ouro.

Esse ato não vai manchar a Copa e nem vai impedir que torçamos apaixonadamente pela Seleção Brasileira. Mas ele nos ensina, contudo, o quanto os homens podem agir como loucos. Sabemos que o Catar é um barril de petróleo cheio de gente morando em cima dele, ou seja, rico em ouro negro, o precioso líquido que faz o mundo andar sobre rodas. Os xeques árabes vivem como deuses. Mas que comer ouro, o minério símbolo da riqueza e da ganância humana, é estranho, é! E é por isso que a segunda sentença mais famosa de Shakespeare precisa ser aplicada a essa atitude desumana, que simboliza de forma cruel, o quanto os homens podem ser cegos e insensíveis ao sofrimento de seus semelhantes. Esse ato representa isso. E deve ser repudiado e denunciado por todos nós. O Deus que ilumina e deu habilidade a esses semideuses do futebol está magoado. E nós também! Eles nos devem desculpas! E que venha o hexacampeonato!



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