‘É um filme de cura’, diz diretora de longa sobre obra de Clarice Lispector

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Na trama, a protagonista Lóri, interpretada por Simone Spoladore, é uma professora do ensino elementary, nascida em uma família tradicional do Rio de Janeiro, que tem dificuldade de estabelecer relações afetivas

FERNANDA GRILO
SÃO PAULO, SP

Uma livre adaptação da obra literária de Clarice Lispector para o cinema. Quem poderia imaginar algo tão ousado na história da cultura brasileira e transportar a escrita melancólica, profunda e reflexiva da escritora para o cinema? A diretora Marcela Lordy não só pensou, como lança nesta quinta-feira (22) o filme “O Livro dos Prazeres”, baseado no livro homônimo da autora.”

Literatura é uma coisa e cinema outra, por isso ter a liberdade de “brincar” com a simbologia foi um prato cheio porque gosto do lúdico e do sensorial. Conseguimos trazer a escrita da Clarice para o cinema, que é ação, usando elementos de outros contos dela, além de experiências e referências pessoais para fazer isso funcionar”, explica Marcela.

Na trama, a protagonista Lóri, interpretada por Simone Spoladore, é uma professora do ensino elementary, nascida em uma família tradicional do Rio de Janeiro, que tem dificuldade de estabelecer relações afetivas. Sua vida muda quando conhece o professor de filosofia, Ulisses, papel do ator argentino Javier Drolas, que desperta a necessidade de transformação da vida de Lóri e a faz mergulhar em seus traumas e enfrentar a solidão, até que esteja curada e pronta para amar.

Na versão da diretora, os personagens principais são bem menos conservadores que na obra unique, publicada em 1969, o que não significa uma Clarice retrógrada. Nesse livro, ela inverte a narrativa patriarcal, em que o homem é o grande aventureiro. Lóri é quem toma a iniciativa e determine encontrar o seu eixo antes de se entregar ao amor. “A escritora bagunça essa questão de gênero e isso está retratado tanto no livro quanto no filme”, diz a diretora, que faz questão de ressaltar que a produção delicada e poética vem ao encontro do que as pessoas estão procurando atualmente: o amor. “Estamos carentes (risos)”.

Da ideia -vinda de Walter Salles, com quem Marcela Lordy trabalhou durante muitos anos- até o lançamento do longa, foram 12 anos de dedicação. Os dois primeiros ela correu atrás da compra da licença e dos direitos de Clarice e mais sete até a finalização. Só que “O Livro dos Prazeres” também foi afetado pela pandemia e o lançamento oficial que seria em 2020, foi adiado. O que, segundo a diretora, coincidiu com a trama.

“O contexto do filme mudou, mas a nosso favor. Lóri resolveu se isolar para uma jornada de autoconhecimento. Já na vida actual, passamos por um período de isolamento compulsório, mas que nos ensinou a gostar de ser uma companhia na solitude, o que se assemelha com a personagem”, conta.


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Figura onipresente no longa, Simone Spoladore traduz as mulheres de Clarice Lispector com sua aura misteriosa e excêntrica: “A Simone tem o mistério da Clarice, é uma mulher que sabe silenciar. O livro narra a evolução de uma pessoa que aprende a olhar as suas feridas. É um filme de cura, e a Simone tem essa profundidade que também combina comigo”, celebra a diretora.

Apesar de chegar às salas de cinema agora, a crítica já consagrou a produção. “O Livro dos Prazeres” foi exibido em mais de 15 festivais e recebeu prêmios como o BAFICI (Competição Americana) com o prêmio de Melhor Atriz para Simone Spoladore e Menção Honrosa para o longa; foi eleito pelo Competition de Cinema de Vitória com o prêmio de Melhor Roteiro, Melhor Interpretação para Simone Spoladore e Menção Honrosa para Fotografia de Mauro Pinheiro Júnior, ABC; e o Competition do Rio 2021.

Aos 48 anos, Marcela Lordy tem uma longa trajetória profissional dedicada às artes visuais. Diretora, roteirista e produtora, “O Livro dos Prazeres” marca sua estreia na direção de um longa-metragem de ficção, mas sua jornada no cinema conta com obras como “A Musa Impassível” (2010), telefilme produzido para a TV Cultura, “Ouvir o Rio: Uma Escultura Sonora de Cildo Meireles” (2012), ‘Ser O Que Se É’ (2018) e ‘O Amor e a Peste’ (2022), entre outros. É dela a direção do longa ‘Turma da Mônica’ (2022) da Globo Filmes. O trabalho de Marcela também cruzou as fronteiras e chamou a atenção de uma das principais revistas de entretenimento e cultura do mundo, a “Selection”, que a incluiu na lista da “nova geração de jovens cineastas brasileiras que é um dos fenômenos mais interessantes vistos atualmente no cinema da América Latina.”

Transitar pelas mais diversas mídias e para diferentes públicos continua nos planos da profissional, que está em fase ultimate de produção de “O Silêncio de Aline”, que vai contar a história de uma cientista surda, comunicativa e barulhenta, vizinha de uma musicista que precisa de silêncio para criar -Leandra Leal está confirmada como protagonista. Além disso, ela trabalha na ideia de uma série que terá como pano de fundo o kung fu, arte marcial que faz parte da sua vida e que considera essencial para sua disciplina, equilíbrio, memória e concentração.


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Put together-se, pois “O Livro dos Prazeres” é um mergulho nas próprias feridas como só Clarice Lispector soube descrever. O ensinamento dessa obra é que o amor é cada um na sua, do seu jeito e com alguma coisa em comum. A alma é ímpar e não gêmea. Esse é o amor possível para Clarice”, finalize Marcela.



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