Especialistas cobram que Dino vá além de ‘revogaço’ de decretos

0
95


A revogação de decretos ataca apenas parte do descontrole sobre a circulação de armas no país, dizem especialistas

MARCELO ROCHA
BRASÍLIA, DF

Anunciada até agora como eixo principal no pacote de medidas contra a política armamentista de Jair Bolsonaro (PL), a revogação de decretos que o governo eleito pretende fazer em 2023 ataca apenas parte do descontrole sobre a circulação de armas no país, dizem especialistas.

Eles afirmam que a derrubada dos decretos presidenciais e de outros instrumentos legais reverterá o acesso às armas facilitado pelo atual governo, mas as medidas sugeridas pela futura gestão não avançam quanto ao estoque atualmente em poder da população.

O número de armas de fogo nas mãos de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) chegou a 1 milhão em julho deste ano. O aumento foi de 187% em relação a 2018.

A equipe de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sugere a derrubada de oito decretos de Bolsonaro e de uma portaria conjunta das pastas da Justiça e da Defesa. O conjunto total de atos que ampliou a quantidade de armas em poder da população é superior a 40, se consideradas instruções do Exército e da Polícia Federal.

“Sugere-se uma revisão rigorosa do conjunto de atos normativos que desmontou a política pública de controle das armas no país”, afirma o relatório final do governo de transição divulgado na última quinta-feira (22).

O documento acusa a atual gestão de conduzir o país a retrocessos como “o desmonte da política de controle de armas” e que muitas das mudanças promovidas pelo Executivo invadiram a competência do Congresso Nacional.


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O governo Bolsonaro editou 17 decretos, 19 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras de acesso a armas e munições. Os CACs têm sido os principais beneficiados.

Em entrevista à Folha, o futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, explicou que, em um só ato, Lula revogará decretos do governo anterior e editará novas regras para que se avance “no que é uma regulação que seja mais responsável”.

Uma pesquisa do Datafolha mostrou que 63% da população considera que pessoas comuns não poderiam ter acesso a armas iguais ou mais potentes que a de policiais.

Para o pesquisador e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Ivan Marques, o governo eleito “olha o assunto pelo retrovisor”.


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

“É um dever de ofício do novo governo rever toda essa regulamentação, revogá-la para resgatar o espírito da lei de 2003 [Estatuto de Desarmamento], mas não foi apontada uma solução para o estoque [de armas] hoje em poder da população”, disse.

Marques sentiu falta no diagnóstico do governo de transição de indicações sobre como a futura gestão pretende, por exemplo, fortalecer órgãos encarregados da fiscalização, segundo ele altamente precarizados pela falta de recursos orçamentários.

O pesquisador lembrou também que no cadastro de armas de fogo administrado pela Polícia Federal há mais de 1 milhão de registros vencidos e é preciso saber seu paradeiro.

“Essas armas em circulação representam um risco para os próprios agentes de segurança”, afirmou. “O governo eleito ainda precisa dizer o que será feito para uma política de armas no país.”


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Além da “revogaço”, integrantes do grupo da Justiça e Segurança Pública na transição indicaram nas últimas semanas alguns pontos especulados para constar do pacote de medidas.

Galeria Flavio Dino no Poder e Política Flavio Dino no Poder e Política https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/30128-flavio-dino-no-poder-e-politica * Estaria nos planos barrar a compra de pistolas 9 mm, criar um QR Code para fiscalizar clubes de tiro e acabar com o porte de trânsito de CACs.

O porte de trânsito autoriza o CAC a andar com a arma municiada do local de guarda até o clube de tiro ou de caça. Na visão de pessoas que participam das discussões na equipe de transição, a normativa virou um porte de armas camuflado.


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Para Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, até pelo teor de declarações feitas pelo próximo titular da Justiça, o governo eleito ainda deve tratar do “passivo”, em temas como recadastramento de armas mais potentes e eventual programa de recompra.


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Quanto ao “revogaço”, Langeani afirmou que a iniciativa aponta para uma “reorganização dos decretos e portarias que hoje estão pulverizados e fragmentados de forma caótica”.

“Os institutos indicados para revogação tratam de itens já anunciados por Flávio Dino como revisão de quantidades de armas e munições, redução de potência de armas permitidas, proibição de fuzis para civis e depuração da atividade dos CACs, mantendo na categoria apenas pessoas que de fato se dedicam a caça, coleção e tiro esportivo”, afirmou o representante do Instituto Sou da Paz.

Principal lobby armamentista do país, o Pro-Armas promete resistir ao “revogaço” e trabalhar no Congresso para desidratar ainda mais o Estatuto do Desarmamento.

Para o presidente do grupo, o deputado eleito Marcos Pollon (PL-MS), retirar armas das mãos dos cidadãos seria algo antidemocrático.

“Confisco seria uma medida extremamente autoritária. Não se pode falar em democracia e confisco na mesma frase, isso é ditatorial”, afirmou. De acordo com ele, não haveria lógica por parte do governo que chega interferir em um setor que gera 3 milhões de empregos.

Ivan Marques, do Fórum Brasileiro, avalia que o movimento perde fôlego, já que a principal voz no discurso armamentista deixará a Presidência da República em 1º de janeiro.



Source link

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here