Existe idade para ser feliz?

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Na coluna de hoje, vamos falar da preocupação que os seres humanos têm com a vida alheia. Até quando nós vamos nos preocupar com o medo de tudo e de todos e viver longas vidas inertes?

Olá, leitores. Cá estou eu, de novo, com mais um assunto polêmico. Vou falar de um grande “mal-estar na civilização” atual: a preocupação que os seres humanos têm com a vida alheia.

Sabem como é… Freud explica – muito bem, diga-se de passagem – que quando você fala sobre o outro, está, na verdade, falando de você mesmo. Geralmente as pessoas falam mal das outras porque estão incomodadas com a coragem do outro de assumir novas escolhas. E fazem críticas diretamente para as pessoas, gerando desconforto, porque realmente estão muito inconformadas com a própria falta de fé em si mesmas e invejam a fé alheia. Na verdade, seria bom que falássemos mais disso porque, assim, talvez pudéssemos diminuir a sensação de falta de empatia e voltar a acreditar numa sociedade um pouco mais amorosa e com menos preconceito.

Na segunda-feira (14) eu acordei com um reels que uma amiga me encaminhou. Eu amei. Era uma mulher de em torno de 50 anos que estava querendo muito velejar. O vídeo era engraçadinho porque, no final, ela subia nas costas de um velejador e seguia com o vento, no kitesurf. Velejou, nem que tenha sido com apoio. Era o sonho dela. Quem sabe ainda vamos vê-la, independente sobre a prancha, sendo levada pelo vento. Aguardemos os próximos reels.

Kitesurf é um esporte muito interessante. Para além de trabalhar a musculatura de estabilidade de tronco e fazer muito bem para a saúde da coluna vertebral, é um esporte de aventura, em que é preciso treinar com concentração e topar “engolir” litros e litros de água do mar até conseguir adquirir equilíbrio e parar de cair. É desafiador para qualquer um. Mas todas as pessoas, de todas as idades, aprendem, desde que se tenham este desejo e se dediquem. Ano passado, quando eu estava passando férias numa praia de kitesurf no Ceará, um instrutor contou-me que já ensinou um homem de 75 anos e que ele continuou a velejar pelo mundo depois disso.

É super legal quando alguém mais vivido resolve se superar, vencer o próprio preconceito. Eu vi, às lágrimas, Rosamaria Murtinho, com 77 anos, fazendo piruetas no “Dança dos Famosos”, quadro do Domingão do Faustão, em 2009. Achei o máximo. Disse a mim mesma: “Quero ser assim. Não quero perder nunca a vontade de me superar.”

O mundo mudou muito nas duas últimas décadas. Eu posso falar com propriedade sobre isto porque eu vivi esta mudança. Quando eu comecei a atender pessoas idosas, lá no início dos anos 2000, elas ainda eram de uma geração apegada à aposentadoria, preferencialmente de serviço público, muito ligadas em afazeres domésticos e a vida ainda não era globalizada. As avós só pensavam em acompanhar netos ou contar do sucesso destes. As viúvas e divorciadas +60 nem sonhavam em namorar. Não havia tudo ao alcance de um laptop ou celular. Estávamos começando a popularizar o e-mail como instrumento de comunicação no trabalho e na vida privada do brasileiro.

Lembro-me muito bem que havia muitas pessoas que ainda escreviam cartas e postavam nos correios. Ao chegar em Brasília, em 2002, e informar meu endereço novo por telefone para a clínica onde ficava o meu consultório em Balneário Camboriú-SC, autorizando que repassassem aos meus ex-pacientes, choveu cartinhas no meu apartamento na SQN 209, com todos desejando felicidades em minha “nova vida” na “cidade grande”. De lá para cá, Balneário Camboriú virou um polo turístico com residenciais de alto luxo e famosos circulando na rua. Bom, Brasília, continua a mesma, tombada pelo Iphan, mas há muito mais prédios e o seu entorno virou um conglomerado de regiões que deixaram de ser cidades-satélites e passaram a ter vida própria.


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No dia 20 de julho de 2005, o Google comprou a startup mineira Akwan e começou a operar no Brasil. Eu estava no meio da minha segunda pós-graduação. Só quem tem mais de 40 vai entender o que isto significou para quem usava portais de busca.

A vida social se modificou muito. Em 20 anos, vi os pacientes octogenários, antes restritos às suas casas ou igrejas, continuarem trabalhando. Clientes com mais de 90 ou 100 anos se tornaram comuns. Hoje temos o mundo aos nossos pés em nossos celulares. Eu, que já usei disquetes e vi nascer o pendrive, que o diga. O mundo sofreu uma nova revolução industrial. E o movimento segue em curso. A partir de 2020 passamos a viver uma vida cada vez mais digital. Por isto insisto na capacitação das pessoas idosas para o uso da tecnologia.

Estamos vivendo uma nova velhice, uma nova classe de aposentados empreendedores, desbravadores, estudiosos e apaixonados +60. Com bom acesso à saúde, já não se morre antes dos 80 anos, já provou o IBGE, no censo anual, exceto se for “atropelado” por alguma doença grave ou sofrer um acidente fatal. Então há mais tempo para ser feliz!

A questão é que as próprias pessoas idosas que, justamente, viveram toda esta mudança, mais ainda do que eu, por incrível que pareça, tendem a ser muito preconceituosas com a velhice. Fala-se mal da amiga de 65 que arrumou um namorado de 49, especula-se qual a idade da terceira esposa do vizinho, preocupa-se com o que a sociedade vai pensar se pedir o divórcio aos 65 anos. Acham terrível alguém ter filhos após os 45 anos de idade e uma loucura a vizinha aposentada abrir um negócio novo. Isto é puro idadismo, algo totalmente cristalizado na sociedade e que precisa ser quebrado urgentemente. É preciso que as mentes acompanhem a velocidade da mudança.


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Não há idade para ser feliz, realizar sonhos, largar tudo e construir uma nova vida. Todos têm o direito de se reinventar. Só acho que uma das coisas mais difíceis é encarar esta achincalhação de todos ao nosso redor, muito preocupados com a nossa vida e nossas escolhas. Acho muito triste, pois quem tem coragem de trabalhar para realizar as suas metas não tem todo este tempo livre para cuidar da vida do outro.

Recentemente uma mulher 50+ me contou que se separou do marido após 32 anos de casamento. Disse-me que está feliz. Decidiu mudar de vida. Semana passada conheci uma pessoa que pediu demissão do serviço público, após 15 anos de contribuição, e abriu uma pizzaria, além de estudar empreendedorismo com afinco, como uma nova faculdade. Eu estou, como professora e profissional, me reinventando também ao atender clientes on–line e dar aulas pela internet, coisas que não fazia até 2020. Eu dou os meus parabéns para aqueles que exercem atos de coragem. Até quando nós vamos nos preocupar com o medo de tudo e de todos e viver longas vidas inertes?

Movimento exige inovação, exige criação de uma nova cultura, exige criação de um novo ser humano. Se a nova velhice está aí, vamos rejuvenescer nossas ideias. Que sigamos revisando nossas vidas e nossos planos e imaginando como podemos colocar atos de coragem em prática e apoiar os atos de coragem de quem nos cerca.

* Dedico este texto à minha amiga Giovana.


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