Fábio Zanon homenageia Francisco Mignone

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Músico raro, Zanon alia apurado rigor como intérprete a uma compreensão mais ampla de seu ofício, traduzida numa série preciosa

“Minipoemas sinfônicos.” É assim que o violonista Fábio Zanon qualifica os Doze Estudos compostos por Francisco Mignone em 1970, que interpreta em álbum lançado pela GuitarCoop em 2022 Em entrevista ao Estadão, Zanon explica que, nesses Estudos, “Mignone alterna vários humores, várias nuances de discurso se sobrepõem. Um dos estudos mais fáceis de se ouvir, o n.º 3, é um dos mais complexos nessas referências. Ele pode ir do choro à polca de salão, ao batuque e à moda sertaneja num espaço de poucos segundos”.

Sua leitura impecável dessas gemas violonísticas fecha um círculo virtuoso iniciado em 1997, quando ele gravou a obra completa para violão de Heitor Villa-Lobos. Aos 56 anos, Zanon, nascido em Jundiaí, é hoje o mais destacado violonista brasileiro. Não só isso. É professor da Royal Academy of Music de Londres e coordenador artístico do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão.

Músico raro, Zanon alia apurado rigor como intérprete a uma compreensão mais ampla de seu ofício, traduzida numa série preciosa, produzida e apresentada na Rádio Cultura FM de São Paulo, um tesouro para os que desejam conhecer melhor o mundo do violão. Seu livro Villa-Lobos (2009), compacto, claro e preciso, é a melhor porta de entrada para quem quer saber por que ele é nosso maior compositor.

Indisciplina localizada

Mignone nasceu em 1897, no bairro paulistano do Brás. Era basicamente eclético. Ou melhor, como Zanon o qualifica, ao lado de Villa-Lobos, e especificamente sobre a obra para violão, “eles têm em comum o interesse pela ‘indisciplina localizada’ que a configuração do violão gera espontaneamente. Explicando melhor: quando colocamos os dedos nas posições mais cômodas sobre as cordas do violão, aparecem ideias musicais impossíveis de justificar por um raciocínio musical abstrato”. Segundo o violonista, “essas ideias são um pouco intrusas e servem como indicativos de brasilidade. Só música para violão soa assim; se tocada em outro instrumento, soa ‘errada’”.

Seu raciocínio remete a uma reveladora carta de Mignone de 1980 (ele morreria em 1988): “Na idade provecta a que cheguei, sou senhor, de direito e de fato, de todos os processos de composição e decomposição que se fazem e usam hoje e amanhã. Nada me assusta, aceito qualquer empreitada. O importante é a contribuição que penso dar às minhas obras. Tudo se pode realizar em arte, desde que a obra deixe no ouvinte a vontade de querer ouvir mais vezes. Não é assim nas outras artes?”.

Esta é a sensação que se tem ao ouvir esses sedutores estudos. A de querer ouvi-los sempre mais uma vez. Carlos Barbosa Lima (1944-2022), um dos grandes violonistas brasileiros de prestígio internacional – a quem Mignone dedicou seus Estudos -, foi o primeiro a gravá-los. Suspeito que Fábio Zanon extrai deles uma interpretação não só exata, limpíssima, mas encharcada de brasilidade. “A impressão que tenho”, brinca Zanon, “é que, quando Barbosa Lima disse ao Mignone que o violão brasileiro não tinha mais nada da magnitude dos estudos de Villa-Lobos, ele voltou pra casa e não gastou mais que dois minutos de preocupação com o legado de Villa-Lobos. Simplesmente foi pro piano e deixou seu talento jorrar. Ele escreveu 50 minutos de música originalíssima, para um instrumento que não tocava, em menos de dois meses. É miraculoso”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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